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terça-feira, 24 de março de 2009

DITADORES, INTERVENTORES E INTERMEDIÁRIOS.

                       (PIGATTI, V, T., 2009) 
                              Ao entrar na porta principal do cemitério de Rio Claro, cidade da Alta Paulista, próximo a São Carlos, notei uma escultura, em tamanho natural, de um soldado tombado em uma batalha. Eu não me lembro o nome dele, mas sei que era jovem e que foi um entre algumas dezenas que tiveram o mesmo fim naquela cidade do interior de São Paulo. O mármore frio, esculpido à forma do soldado morto em batalha não sairá mais das lembranças dos que acompanharam os acontecimento que culminaram com o fim da vida daquele moço. Ainda que não se fale nisso, que tenha sido proibido mencionar essas coisas por muitos anos, não há como passar uma borracha na história por vontade desse ou daquele grupo poderoso ou aparentemente vencedor.
                         O discurso do vencedor dura muito tempo, mas não todo o tempo. Chega o momento em que a História começa a dar voz aos que pereceram ou foram aparentemente derrotados. Ledo engano dos que acreditam que sufocarão para sempre a possibilidade de se rever a história e ouvir as queixas e as versões dos que foram derrotados. Dos índios da América do Norte, Central e da América do Sul, das vítimas e derrotados da Segunda Guerra, dos paraguaios da Tríplice Aliança, de Zumbi e todos os africanos espalhados pelo Novo Continente, Antonio Conselheiro ou de qualquer outro povo, Haverá sempre uma resistência, uma testemunha e a história começará a ser contada independentemente da vontade do vencedor e suas publicações oficiais.
                    A década de vinte foi determinante para o que vivemos ainda nos dias de hoje. Os acontecimentos da década de vinte ainda não foram devidamente esmiuçados, já que os vencedores de diversas batalhas políticas ocorridas naquela época ainda estão vivos, senão fisicamente, mas, sobretudo, politicamente, oitenta anos depois. Semana de 22, fundação do partido comunista, Revolução do Isidoro Dias, a Coluna que se transformou em Coluna Prestes, Tenentes, fim da aliança entre paulistas e mineiros na política do café com leite, derrota das organizações sindicais anarquistas imposta pelos comunistas e getulistas.
                          As forças que cresceram na década de vinte entraram na de trinta em direção ao poder central. O governador do Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas, toma o poder central, depois de amarrar os cavalos na sede do governo federal no Rio de Janeiro. São Paulo se levanta em 9 de julho de 1932 através da Revolução Constitucionalista combatendo Getúlio e as forças ditatoriais representadas pelo Governo Federal. Vargas caminhava para a ditadura embora argumentasse pelo retorno democrático assim como os militares argumentaram em 1964. Os paulistas, com uma tradicional escola de Direito, preferiam manter a constituição e o Estado de Direito. Essa idéia de legitimidade e de organização baseada no Estado de Direito é típica dos Paulistas que há bem pouco tempo voltaram a se mobilizar pelas Diretas Já. Em 32 a resistência ao grupo getulista se deu, principalmente, em São Paulo. Estudantes de Direito da Universidade de São Paulo do Largo São Francisco foram os primeiros mártires. As forças políticas do Estado de São Paulo trataram de resistir e a Polícia Militar transformou-se no exército e se deram os combates onde muitos jovens perderam a vida a exemplo daquele que hoje ainda é homenageado na entrada do cemitério de Rio Claro, cuja lápide não foi removida.
                        Existem muitos meandros que devem ser estudados e pesquisados para se compreender com profundidade e maior acerto sobre essa página da história do Brasil e, mais especificamente, dos paulistas. Entender e pesquisar os acontecimentos é enriquecer a identidade dos povos que se agrupam sob a bandeira do Brasil. Quando menino eu passeava com minha mãe pela extinta Praça Clovis e ali havia um prédio pequeno e fininho que abrigava a Associação dos Combatentes de 32, MMDC. 
                                Andando, por esses dias, ali pelo Tatuapé em uma travessa da rua Conselheiro Carrão, deparei-me com distintivo de metal que ainda resiste na parede de uma casa antiga onde ainda se lê o apoio de seus moradores à Revolução Constitucionalista. No emblema destaca-se o desenho de um boné vermelho semelhante ao usado na Revolução Francesa. Há pouco tempo estive na casa de uma família cujo chefe deixou de herança uma quantidade razoável de películas cinematográficas e alguns projetores antigos. Na parede da sua sala, dependurado, um capacete utilizado pelos combatentes de 32.
                       Pouco se fala disso nas escolas ainda hoje. Há um certo cuidado ao se tratar com a identidade dos paulistas e vemos ainda hoje um preconceito subjetivo sobre o tema. Não é comum ou simpático alguém se declarar paulista em público. Causa um certo constrangimento. Já se afirmar de outra procedência não causa preocupação e é muito comum de se ouvir tanto nas canções e produções culturais como nos discursos políticos e acadêmicos. Até mesmo a questão relativa a brasilidade escapa dos paulista como uma certa condenação ou uma compensação aos outros que não alcançaram tal desenvolvimento econômico e social. Ainda persiste a idéia de que o Brasil é a mistura de portugueses, índios e negros, ignorando a grande quantidade de povos que ofereceram sua cultura e seus traços na constituição de identidades que caracterizam a riquíssima diversidade brasileira, em cada estado ou região, a exemplo de São Paulo.
                          Até mesmo o feriado de 9 de julho foi restabelecido há bem pouco tempo e ainda não se faz nenhuma reverência, nesse dia, pela mídia, à memória dos mortos em combate, exceção as honrarias oficiais por conta dos combatentes ainda vivos no mausoléu do Ibirapuera. É aí que me lembro do rapaz que virou monumento na entrada do cemitério de Rio Claro, que me remete à possibilidade de existirem tantos outros perdidos em sepulturas descuidadas . Penso neles como meninos sonhadores de tal riqueza que entregaram suas vidas à uma causa. Tão difícil hoje de se ter uma causa no Brasil, (exceção aos assaltantes do erário público)! Imagine lutar com a vida por alguma que se julgue nobre?. Ao entrar na Faculdade de Direito do Largo São Francisco vi, no pátio central, os nomes dos estudantes mortos em 32 , e mais algumas referências ao fato, mas tudo muito frio, tudo muito distante daqueles alunos que estão aprendendo Direito, as Liberdades Fundamentais e a        Constituição como norma para reger as relações dos homens em sociedade.
                     Em 32 havia em São Paulo os que apoiavam Getúlio e muitos continuariam a representa-lo no Estado por muitos e muitos anos. Com o fim dos combates e do governo insurgente dos paulistas, surgiu uma nova classe política a frente do Estado de São Paulo Uma classe de interventores que logo foram moldando as atividades públicas do Estado aos interesses do grupo no poder federal. Por outro lado continuou, ainda que no silêncio das línguas cansadas, as resistências e entre elas o túmulo do Herói de 32 em Rio Claro ou o pequeno símbolo Constitucionalista dependurado em uma parede de uma antiga casa localizada em uma travessa da Conselheiro Carrão no Tatuapé.
                    Como resposta aos interventores, a cidade de São Paulo, assim como o restante do Estado, cresceu e recebeu cada vez mais povos de outros países e de outros estados. As pessoas que foram chegando resistiram, mas seus filhos, como eu, são essencialmente paulistas ou paulistanos apegados ao universo físico e cultural que nos identifica em relação ao restante do Brasil. . De São Miguel Paulista à Lapa, da Vila Ré à Pinheiros, de Capão Bonito à Bauru. Ao contrário de boa parte dos interventores que ainda detém o poder político na cidade, a população da capital se considera Paulistana, Paulista, Brasileira e latino-americana.
                        Tem-se a impressão, ainda hoje, que São Paulo continua dividido entre os interventores e os constitucionalistas. Os primeiros preocupados, desde o início, nas vantagens do poder. Para eles tanto faz estar com este ou aquele já que a única identidade que possuem é com o dinheiro fácil e os privilégios dos cargos que ocupam na administração pública. Como administradores e legisladores, os interventores saqueiam a cidade, escondem sua história, descuidam de seus monumentos, de suas ruas, desprezam a capacidade de seu povo e de seus artistas.
Em Rio Claro, a homenagem ao Herói Constitucionalista povoa minha mente e acende minha esperança por dias melhores. (PIGATTI, V, T., 2009)

Carinhosamente Léo Tomaz
(Valionel Tomaz Pigatti) 


Currículo Lattes:   http://lattes.cnpq.br/0781027245850748

sexta-feira, 20 de março de 2009

Juó Bananére e os poetas ignorados.

(PIGATTI, V, T., 2009)
Juó Bananére
                    "as bananera di lado só pr'a aripresentá u migno nomino tambê pr'a dá fruita pr'us troxa. Nu centro stó io chi só u dono du 'brazó' di giunto cumigo stó u Piedadó i o Capitó chi só as duas principale figura du Juó Minhoca politico andove stó io o imprezario, i tambê pur causa chi furo illos chi serviro di scada pr'a mim subi pr'a groria du giurnalismio indigena! Non cutuca! é a migna indivisa, pur causa chi io sô molto camarada, ma buliu cumigo é a mesima cosa chi mexê con una caza di marimbondi!! Dô u strilimo!" ("O Pirralho", 1917).Texto de Juó Bananére.
       

                O cidadão livre deve investir tempo e atenção em  projeto político que promova a democratização dos conteúdos das matérias escolares, em todos os níveis da educação, promovendo a diversidade e satisfazendo todas as realidades regionais e locais. Para alcançar esse objetivo é necessário lutar e exigir que os instrumentos tecnológicos de industrialização, promoção, distribuição e arrecadação que lidam com a educação e a cultura, atualmente centralizados e ideologizados, sejam democratizados e colocados para promover as criações artísticas e culturais das regiões e das localidades. Somente através da descentralização política , econômica e cultural do Poder no Brasil é que alcançaremos o respeito,  a dignidade e o desenvolvimento Humano. Quando isso ocorrer certamente poderemos conhecer Juó Bananére e tantos outros que continuam ignorados.

Valionel Tomaz Pigatti ( Léo Tomaz)
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                São Paulo - No começo do século, nas ruas São Paulo imperava um caos lingüístico, com imigrantes italianos, portugueses, alemães, japoneses e libaneses se acotovelando entre as ruas estreitas do centro e do subúrbio, fortalecendo a mão-de-obra e agilizando o comércio local. Enquanto tentavam comunicar-se, os novos habitantes criavam variações da língua portuguesa e o dialeto mais famoso, o "macarrônico", dominava entre os italianos, a ponto de inspirar a criação do personagem, Juó Bananére, pseudônimo do engenheiro Alexandre Marcondes Machado, que inventou língua própria e invadiu as principais crônicas paulistanas.
            "Os escritos de Bananére são extremamente sonoros, o que facilita sua utilização no teatro", comenta Zebba dal Farra diretor de Almanacco Bananére, musical que estréia quinta-feira (07), às 21h, na Funarte (Alameda Nothmann, 1.058) e cumpre curta temporada até domingo. São vários textos selecionados entre as diversas crônicas e sátiras do "poeta, barbiére e giurnalista", que inventou língua própria, resultado de suas andanças pelo Bom Retiro. Dal Farra comanda os 20 atores do Grupo Mangará, que interpretam os diversos personagens retratados por Bananére.
             Uma das principais fontes de pesquisa foi a coluna As Cartas d´Abaxo Pigues (lê-se baixo piques, antigo bairro de São Paulo), publicada entre 1911 e 1917 na revista O Pirralho, editada por Oswald de Andrade. "Bananére é normalmente lembrado como pré-modernista, mas preferimos dissociá-lo dessa imagem, pois sua escrita foi única", comenta Dal Farra. Bananére, aliás, sucedeu Oswald como colunista da revista e só foi dispensado por ter ridicularizado a campanha nacionalista do poeta Olavo Bilac que era admirado pelos modernistas de formação marxista.
            Os textos irônicos e críticos transformaram Bananére em  personalidade das mais conhecidas de São Paulo dos anos 10. "Eu foi", "eu pôs", "San Gaetano", "nó mi vá pegá una gripe" são algumas das formas macarrônicas utilizadas pelos imigrantes, que Bananére retratava com graça. "Como bom descendente de italianos, há mais de 40 anos que me divirto com suas crônicas, especialmente as reunidas no livro Divina Increnca, e sempre quis levá-las ao teatro", comenta a atriz Myrian Muniz, supervisora do espetáculo. "A opção pelo musical foi ótima."
          Almanacco Bananére relata  série de histórias que envolvem imigrantes, com os atores cantando músicas do folclore italiano, especialmente as da região de Nápoles, conhecidas por saraceni.       "Aproveitei para musicar alguns textos do Bananére, além de criar canções originais para o espetáculo", conta Dal Farra, que apoiou suas pesquisas principalmente no livro Juó Bananére: As Cartas d´Abaxo Pigues (Editora Unesp), escrito pelo professor de literatura brasileira Benedito Antunes. "Ele faz uma análise criteriosa, principalmente sobre a experimentação lingüística de Bananére". (PIGATTI, V, T., 2009)


Valionel Tomaz Pigatti  - (Léo Tomaz) 
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