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sábado, 11 de dezembro de 2010

11 de setembro de 2001, na janela de uma das Torres Gêmeas.

                                                                                   (PIGATTI, V, T., 2010)
                             A manhã daquele dia estava calma, o ar também estava frio, mas indefinido, por ser final de inverno e o sol ainda despontando no horizonte. O ambiente dentro do escritório estava aconchegante já que os condicionadores de ar mantinham a temperatura ambiente agradável e constante. Lembro-me de ter ido  até a janela do escritório e olhado para o horizonte. Dentro da sala do escritório era como se não houvesse vento. No entanto, tinha-se a impressão ao observar objetos expostos do lado de fora  que o vento tinha velocidade constante e soprava sempre na mesma direção. Busquei com meu olhar o lado  que dava vistas para o oceano. O mar é o que melhor atende a abstração de quem vive aguardando a esperançosamente a chegada do futuro. Apenas olhava o horizonte, admirava a linha do horizonte, até querendo ver um pouco além, ver o lado de lá. Algumas vezes eu era tomado por uma fixação e que, por ser abstrata, tornava-se absolutamente imperceptível, solitária, digamos assim. Abstração que me levaria a viajar pelo espaço-tempo sozinho,  em tudo distante e solitário. Ainda não havia conseguido participar essa sensação a outrem ou, certamente, não havia encontrado outra pessoa que sofresse do mesmo mal e resolvesse confessá-lo.
                            Engraçado! Havia momentos em que me sentia íntegro. Tinha uma sensação gostosa de estar em perfeita harmonia com o Universo e com a vida. Sintia-me único e indivisível. Sintia-me como uma das partes disso tudo, assim como se cada qual fosse uma coisa independente e parte do conjunto como o são as estrelas, o satélite, os planetas, os bichos. Tinha a sensação de estar em perfeita comunhão com a natureza e por pouco não saí a andar sem rumo certo, deixando-me levar pelos braços das estradas.  Em alguns momentos sentia-me  dono do próprio destino.
                             Enquanto admirava o universo olhando-o daquela janela do nonagésimo quinto andar,  percorria também a linha do horizonte, entre o oceano e o céu. Imaginava-me prazerosamente distante daquilo tudo, protegido pela altitude, pelas portas, paredes e vidraças. Dali podia ver algumas ilhotas inabitadas, suponho. Em minha imaginação fugidia gostaria de estar em uma daquelas ilhotas com uma ou outra pessoa, como se livre de tudo e de todos. Precisaria de alguns artefatos elementares e simples. Algo para a realização de pesca, para fazer um fogo, para facilitar a preparação do alimento como faca, garfo, um recipiente resistente ao fogo e um prato. Algumas roupas e só. Poderia ficar lá por bom tempo até que a solidão me fizesse desejar a chegada imprevisível de algum semelhante. Já tivera o prazer de fazer isso em uma praia deserta quando ainda morava na cidade onde nasci, lá na América do Sul.
                                 Ah meu Deus!  Como o horizonte, tal qual as chamas de uma fogueira,  exerce um fascínio no homem! Como atrai pensamentos e desejos. Com o rosto quase colado ao vidro da janela lembrava-me do tempo em que havia ficado naquela praia solitária do litoral norte do Estado de São Paulo. Depois de alguns dias ali, surgiu uma outra pessoa e não precisamos trocar muitas palavras para nos identificar. Bastava-nos abstrair ao olhar o mar para termos uma sensação maravilhosa de identidade. Trazíamos de dentro de nossa natureza algo tribal. Era como se fôssemos parte de uma mesma nação no sentido mais atávico e profundo. Passávamos horas assim, em silêncio, sem olhar um no outro, com os rostos voltados para  o horizonte ou a procura de algum alimento marítimo para sustentar a vida. 
                            Como poderia prever ou imaginar que mais à frente estaria tão longe daquela praia,  milhares de quilômetros com o rosto colado naquela janela daquele fatídico edifício. A verdade é que eu estaria lá tentando um outro tipo de vida, completamente diferente da que desejado ao observar a solidão das ilhas. A vida leva a gente para onde a gente quiser, basta estar disposto. Naquele momento eu estava ali em terra estranha,  correndo atrás da qualidade de vida que me prometia o dinheiro que só é possível dignamente em um país desenvolvido, de primeiro mundo. Havia fugido do futuro incerto da América do Sul, do atraso centenário que assola o meu lugar de origem. 
                                  Eu, quase trinta anos de idade, vindo de um país periférico, subdesenvolvido, onde as chances de superar a pobreza são muito poucas ou quase nenhuma. Quando dei por mim e percebi o que me reservava o futuro se permanecesse naquele país, tratei de partir. Precisava adquirir uma casa para eu e minha família nos estabelecermos com segurança, coisa que lá  parecia  quase que impossível. Precisava de algum conforto e o necessário para investir na minha pessoa. Precisava de um lugar onde pudesse ter filhos com a certeza de que estariam melhor do que eu. Assim, como milhares de outros bárbaros também fizeram no passado, me pus a andar  em direção à Roma do século XXI. Havia abdicado da cretinice retórica com viés  nacionalista latino americana que prende e escraviza cidadãos e dessa forma  pude refletir e me situar melhor no mundo. Consegui entender melhor o universo cultural ligado a minha própria  história e a história que levou os meus antepassados a cruzarem o Atlântico e me fazerem germinar em uma pós colônia portuguesa na América do Sul.
                            Agora isso já é outra história, é passado. O importante é me situava nesse novo lugar, a partir desse momento que estava vivendo.No dia anterior, por exemplo,  havia ido ao museu e na semana que se passou havia presenciado um concerto sinfônico ao ar livre. Como nunca havia feito antes, ao presenciar aquele concerto, tomava contato com músicas de Mozart e Chopin. Tinha a intenção de ir em uma apresentação de dança clássica e já havia me disposto a ler obras literárias com mais constância. Queria iniciar a leitura pelos gregos e vir nessa sequência histórica até alcançar os contemporâneos. Precisaria ler a Bíblia e o Novo Testamento que sempre estiveram ao meu lado, mas que nunca havia me disposto a folheá-los com dedicação mesmo sabendo que ali estava minha identidade cultural e espiritual. Precisaria saber mais a respeito dos principais pensadores da civilização ocidental cristã.  Precisaria saber mais  sobre diferentes ramificações do pensamento político e econômico ocidental. Sabia que demoraria para realizar essa tarefa, mas como pretendia chegar aos oitenta anos de vida, acreditava  que podia ir com calma, naturalmente. 
                             Parece loucura que tanta coisa passaria em minutos pelos meus pensamentosEstava muito seguro e muito tranquilo na certeza de que nesse novo lugar tudo aquilo que passava pelos meus pensamentos, aconteceria. É a paz  que envolve quando se faz a coisa certa. É como se eu sentisse a sensação de segurança, podendo transferi-la para os meus parentes que estavam, naquele momento, há milhares de quilômetros de distância. Tinha certeza de  que eles estavam orgulhosos por eu ter decidido partir e já se sentiam esperançosos de que a vida ia melhorar. Sim, foi isso. Parece algo  incrível, mas a minha viagem fez com que a família que ficara no país de origem começasse a se interessar também por essas questões culturais, pelo destino que fora reservado aos seus membros. Passaram a estar  mais unidos e a sentirem-se orgulhosos, e mesmo continuando no país de origem, manifestavam melhora na auto estima. Eu gostava de perceber isso e de sentir que o fato de ter vindo para esse novo país,  fazia com que meus familiares ganhassem um novo ânimo, mais fôlego e um novo olhar para a vida. Percebia que o fato de vir para o novo país, criaria oportunidade para que minha família não caminhasse em direção à diluição,  ao esquecimento. Por isso afirmava em cartas que tinha certeza  de que estaria, naquele momento, caminhando lado a lado com o progresso material, intelectual e espiritual.
                          Impressionante, mas eu acreditava  que todo governo democrático deveria ter obrigação de proporcionar isso a todos os que habitam do lado de dentro de suas fronteiras. A fronteira, a cultura são grandes obstáculos para o desenvolvimento humano. Acreditava que  havia conseguido furar o bloqueio, abrido uma nova porta, consertado a rota  da história dos meus ancestrais e retomado o caminho do desenvolvimento, da civilização. Não foi fácil e devo admitir que quase me faltara coragem para deixar a família, os amigos, o idioma fácil de entender e embarcar em direção ao desconhecido. Não fora fácil! Nos meus últimos momentos ainda admirei com o rosto colado àquela janela um avião riscando o céu azul.  Ao observa-lo  daquela  janela daquele escritório tinha  a sensação de que estava acima dele e de que ele estva vindo em minha direção. (PIGATTI, V, T., 2010)

                                                                                              Valionel (Léo Tomaz) 
                                                                                    Currículo Lattes:  http://lattes.cnpq.br/0781027245850748

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